Por Anderson Borges
Um questionamento muito comum que muitas pessoas que são
membros de uma igreja confessional fazem é:
por que precisamos de uma confissão de fé se temos a bíblia? O motivo desse questionamento é por que se
entende que jurar fidelidade a um símbolo de fé implica diretamente em
infidelidade a Bíblia ou tê-los como iguais em autoridade a Palavra de Deus. Geralmente
os confessionais são acusados de colocarem o seu documento confessional no
mesmo patamar que a bíblia, é fato que realmente alguns poucos chegam a este
ponto, mas de forma geral essa acusação é equivocada. Sou pastor da igreja
Presbiteriana do Brasil que é uma igreja confessional em seus documentos
oficiais, e em sua constituição no artigo 1 ela nos diz o seguinte:
“A Igreja
Presbiteriana do Brasil é uma federação de igrejas locais, que adota como única
regra de fé e prática as Escrituras Sagradas do Velho e Novo Testamentos e como
sistema expositivo de doutrina e prática a sua Confissão de Fé e os Catecismos
Maior e Breve; rege-se pela presente Constituição; é pessoa jurídica, de acordo
com as leis do Brasil, sempre representada civilmente pela sua Comissão
Executiva e exerce o seu governo por meio de concílios e indivíduos,
regularmente instalados.”
Além de ser uma igreja confessional a IPB exige que seus
ministros e oficiais também o sejam, o Art. 119 da referida constituição também
nos diz:
“O candidato, concluídos seus estudos, apresentar-se-á ao
Presbitério que o examinará quanto à sua experiência religiosa e motivos que o
levaram a desejar o Sagrado Ministério, bem como nas matérias do curso
teológico. Parágrafo único. Poderá o Presbitério dispensar o candidato do exame
das matérias do curso teológico; não o dispensará nunca do relativo à
experiência religiosa, opiniões teológicas e conhecimento dos Símbolos de Fé,
exigindo a aceitação integral dos últimos.”
A IPB não somente entende e adota os padrões de fé de
Westminster como a exposição fiel da doutrina bíblica como exige aceitação
integral por parte da sua liderança. Mas por que nós afirmamos o Sola Scriptura
ao mesmo tempo que juramos fidelidade aos símbolos de fé, não seria isto uma
contradição? Ainda restam dúvidas tanto por parte dos ministros e oficiais como
dos membros da IPB do porque a mesma exigir dos seus líderes que aceitem os
símbolos de fé de forma integral e que jure fidelidade aos mesmos assim como o fazem
com a bíblia. Se a bíblia está acima dos padrões de fé, por que devemos aceita-los
de forma integral e jurar fidelidade a eles? Meu intuito com este artigo não é
de esgotar o assunto, mas de tentar esclarecer alguns pontos que podem nos
ajudar a entender melhor esse tema, a saber:
1. A confissão de fé nos
leva para bíblia.
A confissão de fé de Westminster está subordinada as
Escrituras, em nenhum momento aquela a sobrepõe, muito pelo contrário a exalta.
No capítulo 1 nas sessões IV, V, VI e X a confissão de fé de Westminster afirma:
IV. A
autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida,
não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de
Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida,
porque é a palavra de Deus.
V.
Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente
apreço da Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, e eficácia
da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes,
o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que
faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências
incomparáveis e completa perfeição, são argumentos pelos quais abundantemente
se evidencia ser ela a palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza
da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do
Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em nossos corações.
VI.
Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória
dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na
Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se
acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por
tradições dos homens; reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima
iluminação do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das coisas
reveladas na palavra, e que há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus
e ao governo da Igreja, comum às ações e sociedades humanas, as quais têm de
ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras
gerais da palavra, que sempre devem ser observadas.
X. O
Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser
determinadas e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas
as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões
particulares, o Juiz Supremo em cuja sentença nos devemos firmar não pode ser
outro senão o Espírito Santo falando na Escritura. (WESTMINSTER 2007).
Os nossos símbolos de fé em nenhum momento arrogam para si
a prerrogativa de igualdade com as Escrituras, mas faz exatamente o oposto,
reconhece que a Palavra de Deus está acima de qualquer coisa e que esta é a
palavra final sobre qualquer assunto.
2. Ela nos ajuda a
mantermos a paz e a unidade na igreja.
Outra coisa que os confessionais são muito acusados é de
serem divisionistas. Na verdade, um dos objetivos dos credos e confissões
durante toda história da igreja era o de manter a unidade e a paz. Sempre houve
quem discordasse de uma ou outra interpretação bíblica dada por algum credo ou
confissão. A questão é que muitas vezes os opositores discordavam de pontos
essenciais da fé cristã defendida pelos símbolos. Heresias como o Arianismo, o
Sabelianismo, Unitarismo, livre-arbítrio pós queda e tantos outras foram
defendidas por homens que tiveram suas ideias rechaçadas pela igreja através de
sínodos e concílios que serviram de base para a igreja posterior se defender
contra as mesmas, mantendo assim a unidade doutrinária e a paz no meio da
igreja. Em seu capítulo XX sessão IV a CFW afirma o seguinte:
IV.
Visto que os poderes que Deus ordenou, e a liberdade que Cristo comprou, não
foram por Deus designados para destruir, mas para que mutuamente nos apoiemos e
preservemos uns aos outros, resistem à ordenança de Deus os que, sob pretexto
de liberdade cristã, se opõem a qualquer poder legítimo, civil ou religioso, ou
ao exercício dele. Se publicarem opiniões ou mantiverem práticas contrárias à
luz da natureza ou aos reconhecidos princípios do Cristianismo concernentes à
fé, ao culto ou ao procedimento; se publicarem opiniões, ou mantiverem práticas
contrárias ao poder da piedade ou que, por sua própria natureza ou pelo modo de
publicá-las e mantê-las, são destrutivas da paz externa da Igreja e da ordem
que Cristo estabeleceu nela, podem, de justiça ser processados e visitados com
as censuras eclesiásticas. (WESTMINSTER
2007).
Ainda tratando sobre o assunto também nos afirma a
confissão de fé no capítulo XXXI sessões II e III:
II.
Aos sínodos e concílios compete decidir ministerialmente controvérsias quanto à
fé e casos de consciência, determinar regras e disposições para a melhor
direção do culto público de Deus e governo da sua Igreja, receber queixas em
caso de má administração e autoritativamente decidi-las. Os seus decretos e
decisões, sendo consoantes com a palavra de Deus, devem ser recebidas com
reverência e submissão, não só pelo seu acordo com a palavra, mas também pela
autoridade pela qual são feitos, visto que essa autoridade é uma ordenação de
Deus, designada para isso em sua palavra.
III.
Todos os sínodos e concílios, desde os tempos dos apóstolos, quer gerais quer
particulares, podem errar, e muitos têm errado; eles, portanto, não devem
constituir regra de fé e prática, mas podem ser usados como auxílio em uma e
outra coisa. (WESTMINSTER 2007).
Podemos perceber claramente que os nossos padrões de fé
entendem que estes não estão acima das santas Escrituras e que até mesmo
reconhecem que os concílios podem errar, sim, a confissão de fé não é infalível
e nem inerrante. Portanto, afirmar que quem jura fidelidade aos símbolos de fé
está os colocando em igualdade com as Escrituras, na verdade não os conhecem e cometem
um grande engano. Chamar os confessionais de divisionistas é não entender que, para que haja paz é necessário ordem, submissão e disciplina. Não defendemos paz a qualquer preço, mas sim, unidade na verdade. Como nos ensina nosso Senhor no Evangelho de João no capítulo 17.
3. A nossa confissão de
fé nos guia contra erros do passado.
Outro dos objetivos dos credos e confissões era o de evitar
que a igreja caísse nas mesmas heresias do passado. De tempos em tempos sempre
aparece alguém trazendo de volta antigos erros doutrinários em roupagem nova,
com um novo linguajar, mas a raiz é sempre a mesma de outrora. Daí a
necessidade de nos voltarmos para o passado para buscar em documentos
elaborados por homens que foram grandemente usados por Deus para a instrução da
Sua igreja, o apóstolo Paulo nos ensina sobre isso na carta aos Efésios no
capítulo quatro quando diz:
E ele mesmo concedeu
uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros
para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o
desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos
cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita
varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais
sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por
todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem
ao erro. (Efésios 4. 11-14).
O caso do eunuco também tem muito a nos ensinar, a
Escritura nos diz:
Um
anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: Dispõe-te e vai para o lado do Sul, no
caminho que desce de Jerusalém a Gaza; este se acha deserto. Ele se levantou e
foi. Eis que um etíope, eunuco, alto oficial de Candace, rainha dos etíopes, o
qual era superintendente de todo o seu tesouro, que viera adorar em Jerusalém, estava
de volta e, assentado no seu carro, vinha lendo o profeta Isaías. Então, disse
o Espírito a Filipe: Aproxima-te desse carro e acompanha-o. Correndo Filipe,
ouviu-o ler o profeta Isaías e perguntou: Compreendes o que vens lendo? Ele
respondeu: Como poderei entender, se alguém não me explicar? E convidou Filipe
a subir e a sentar-se junto a ele. Ora, a passagem da Escritura que estava
lendo era esta: Foi levado como ovelha ao matadouro; e, como um cordeiro mudo
perante o seu tosquiador, assim ele não abriu a boca. Na sua humilhação, lhe
negaram justiça; quem lhe poderá descrever a geração? Porquê da terra a sua
vida é tirada. Então, o eunuco disse a Filipe: Peço-te que me expliques a quem
se refere o profeta. Fala de si mesmo ou de algum outro? Então, Filipe
explicou; e, começando por esta passagem da Escritura, anunciou-lhe a Jesus. (Atos 4.26-35).
As Escrituras nos ensinam que o próprio Deus é quem levanta
homens para a instrução do seu povo, com o objetivo de não deixar que este não
caia no erro e nas astúcias dos homens e que possam chegar a salvação. O etíope
estava lendo as Escrituras, mas não conseguia compreender, foi necessário Deus
enviar Felipe para que o mesmo pudesse entender a Bíblia e ser salvo. O que
precisamos é abandonar a nossa soberba espiritual e entender que Deus usou
homens no passado e ainda os usa hoje para que sua igreja seja protegida do
erro. Sendo assim, subscrever um símbolo de fé é reconhecer que Deus capacitou
através do Espírito Santo homens para instruir a Sua igreja contra os erros,
mostra também a nossa humildade em reconhecer que houve homens mais capacitados
do que nós que podem nos ajudar a entender melhor o conteúdo das Santas
Escrituras.
Conclusão
Que possamos amar os nossos símbolos de fé sem medo de que
estejamos sendo infiéis as Escrituras, que possamos nos sujeitar as autoridades
pelas quais o Senhor Jesus exerce o seu governo na igreja conforme nos ensina o
Catecismo Maior em sua pergunta 45:
Como
exerce Cristo as funções de rei?
Cristo
exerce as funções de rei chamando do mundo um povo para si, dando-lhe oficiais,
leis e disciplinas para visivelmente o governar; dando a graça salvadora aos
seus eleitos; recompensando a sua obediência e corrigindo-os por causa dos seus
pecados; preservando-os por causa dos seus pecados; preservando-os e
sustentando-os em todas as tentações e sofrimentos; restringindo e vencendo
todos os seus inimigos, e poderosamente dirigindo todas as coisas para a sua
própria glória e para o bem do seu povo; e também castigando os que não
conhecem a Deus nem obedecem ao Evangelho. (WESTMINSTER
2007).
Que possamos entender que ser confessional não é ser
anti-bÍblico ou ter a bíblia subordinada aos símbolos de fé, mas que antes, nos
submetemos a eles por que os mesmos se submetem a Bíblia. Que Deus tenha
misericórdia de nós e nos ajude nessa tarefa.
Soli Deo Glória!