quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Que tipo de confessional eu devo ser?


Por Anderson Borges.

Se perguntarmos a muitos oficiais e ministros da IPB se eles subscrevem os símbolos de fé, a resposta é contundente, sim! A grande questão é: a que tipo de subscrição estamos falando? Porque ao observar com mais atenção a questão, percebemos que existe um abismo entre a afirmação que é feita em favor da subscrição confessional e a prática daqueles que a afirmam. E um detalhe muito importante que essas pessoas não se atentam (e a maioria infelizmente nem sabe) é que existem pelo menos três tipos de subscrição confessional. A partir desta observação, o meu objetivo neste artigo é mostrar de forma bastante simples, a incongruência existente entre a afirmação e a prática confessional pelo menos dentro da IPB. Pois, no discurso assumimos um tipo de subscrição confessional, mas na prática outro bem diferente. Identificar qual são esses tipos de subscrição talvez nos ajude a esclarecer qual modalidade é a mais coerente com aqueles que pertencem a IPB. 

Antes, porém de continuarmos é preciso definir alguns termos1 necessários para um entendimento melhor da questão, vejamos:

1.    Qualificação: É o ato de um subscrevente do símbolo de fé expressar de um modo próprio seu entendimento quanto a um tópico doutrinário contido naquele símbolo; isso não implica necessariamente em divergência com relação a doutrina, mas uma interpretação pessoal, qualificada, num ponto secundário.

2.    Reserva: É uma discordância sobre determinada doutrina ou parte de doutrina, ao que o subscrevente pode até comprometer-se a não questionar. Quando essa discordância é particular chama-se de reserva mental, quando pública denomina-se de exceção.

3.    Exceção: Constitui esta uma reserva com discordância pública, assumida, em relação a determinada doutrina fundamental do símbolo confessional, ou então quanto a parte da mesma, na forma em que está expressa.

Agora que já entendemos os termos acima, prossigamos com as três modalidades2 existentes de subscrição confessional:

 1. Subscrição Estrita ou literal.
Nesse tipo de subscrição recebe-se o documento confessional na integra, concorda-se com todo o seu conteúdo, inclusive com a forma e os termos em que a doutrina é exposta. Rejeita-se qualquer tipo de reserva mental, qualificações e exceções. Reconhece que a confissão está subordinada a Bíblia, mas enfatiza o seu alto grau de fidelidade para com o texto Bíblico independente da época ou contexto.


2. Subscrição Ampla.
Essa modalidade de subscrição defende o entendimento amplo do que seja “subscrição ao sistema de doutrinas”, como referindo-se ao sistema doutrinário do Calvinismo em geral, ou seja, não subscreve cada capítulo, artigo e afirmação teológica da confissão, preocupa-se apenas com o essencial com aquilo que é fundamental e flexibilidade nos aspectos não fundamentais. Nessa modalidade é permitido reservas mentais, qualificações e até mesmo exceções do texto do documento confessional quanto a alguns ou vários pontos.


3. Subscrição integral.
Nesse tipo de subscrição o documento confessional é recebido na integra, concorda-se com todo o seu conteúdo sem nenhum tipo de reserva mental, há também o reconhecimento de que os símbolos de fé são a fiel exposição das Escrituras e que aqueles estão subordinados a Palavra de Deus, e o reconhecimento de que há partes mais fundamentais que outras nas doutrinas dos símbolos de fé. Nessa modalidade é permitido qualificações, mas não é aceita reservas nem exceções.


Conclusão.
A igreja Presbiteriana do Brasil adota esta última modalidade de subscrição conforme preceitua a CI/IPB no art. 119 que diz:

 “O candidato, concluídos seus estudos, apresentar-se-á ao Presbitério que o examinará quanto à sua experiência religiosa e motivos que o levaram a desejar o Sagrado Ministério, bem como nas matérias do curso teológico. Parágrafo único. Poderá o Presbitério dispensar o candidato do exame das matérias do curso teológico; não o dispensará nunca do relativo à experiência religiosa, opiniões teológicas e conhecimento dos Símbolos de Fé, exigindo a aceitação integral dos últimos.”

Apesar de no discurso sermos confessionais integrais, a nossa pratica atual na IPB é de uma confessionalidade ampla. O que temos visto na prática é que a IPB atualmente toma os Símbolos de fé apenas como uma referência, mais uma interpretação da Bíblia entre outras, os artigos da confissão de fé e dos catecismos recebem novas interpretações ou “contextualizações”, perdeu-se o senso de que nossos símbolos são a fiel exposição da Palavra de Deus. É claro que há muitos ministros e oficiais que não pensam assim, mas a esmagadora maioria tem caminhado por esse triste rumo.

Respondendo então a nossa pergunta inicial, que tipo de confessional eu devo ser? Eu diria que devemos ser confessionais integrais obedecendo a constituição da nossa igreja, a qual nos submetemos e juramos obediência de livre vontade. Apesar da nossa constituição exigir apenas dos oficiais e ministros a subscrição integral, entendo que por uma questão de coerência os nossos membros também deveriam trilhar a mesma estrada. Que o eterno Deus tenha piedade de nós e nos auxilie nesta tarefa.

Soli Deo Glória!


1Para a explicação dos temos reserva, qualificação e exceção e das modalidades de subscrição, utilizei como referência o livro do Rev. Ulisses Horta Simões, intitulado: A Subscrição Confessional: Necessidade, Relevância e Extensão. P. 84, 86, 89.

2 Ibid. P. 93, 94, 95.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Pra que confissão de fé se temos a Bíblia?


Por Anderson Borges

Um questionamento muito comum que muitas pessoas que são membros de uma igreja confessional fazem é:  por que precisamos de uma confissão de fé se temos a bíblia?  O motivo desse questionamento é por que se entende que jurar fidelidade a um símbolo de fé implica diretamente em infidelidade a Bíblia ou tê-los como iguais em autoridade a Palavra de Deus. Geralmente os confessionais são acusados de colocarem o seu documento confessional no mesmo patamar que a bíblia, é fato que realmente alguns poucos chegam a este ponto, mas de forma geral essa acusação é equivocada. Sou pastor da igreja Presbiteriana do Brasil que é uma igreja confessional em seus documentos oficiais, e em sua constituição no artigo 1 ela nos diz o seguinte:

 A Igreja Presbiteriana do Brasil é uma federação de igrejas locais, que adota como única regra de fé e prática as Escrituras Sagradas do Velho e Novo Testamentos e como sistema expositivo de doutrina e prática a sua Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve; rege-se pela presente Constituição; é pessoa jurídica, de acordo com as leis do Brasil, sempre representada civilmente pela sua Comissão Executiva e exerce o seu governo por meio de concílios e indivíduos, regularmente instalados.”

Além de ser uma igreja confessional a IPB exige que seus ministros e oficiais também o sejam, o Art. 119 da referida constituição também nos diz:

 “O candidato, concluídos seus estudos, apresentar-se-á ao Presbitério que o examinará quanto à sua experiência religiosa e motivos que o levaram a desejar o Sagrado Ministério, bem como nas matérias do curso teológico. Parágrafo único. Poderá o Presbitério dispensar o candidato do exame das matérias do curso teológico; não o dispensará nunca do relativo à experiência religiosa, opiniões teológicas e conhecimento dos Símbolos de Fé, exigindo a aceitação integral dos últimos.”

A IPB não somente entende e adota os padrões de fé de Westminster como a exposição fiel da doutrina bíblica como exige aceitação integral por parte da sua liderança. Mas por que nós afirmamos o Sola Scriptura ao mesmo tempo que juramos fidelidade aos símbolos de fé, não seria isto uma contradição? Ainda restam dúvidas tanto por parte dos ministros e oficiais como dos membros da IPB do porque a mesma exigir dos seus líderes que aceitem os símbolos de fé de forma integral e que jure fidelidade aos mesmos assim como o fazem com a bíblia. Se a bíblia está acima dos padrões de fé, por que devemos aceita-los de forma integral e jurar fidelidade a eles? Meu intuito com este artigo não é de esgotar o assunto, mas de tentar esclarecer alguns pontos que podem nos ajudar a entender melhor esse tema, a saber:

1. A confissão de fé nos leva para bíblia.

A confissão de fé de Westminster está subordinada as Escrituras, em nenhum momento aquela a sobrepõe, muito pelo contrário a exalta. No capítulo 1 nas sessões IV, V, VI e X a confissão de fé de Westminster afirma:

IV. A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a palavra de Deus.

V. Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço da Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, e eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completa perfeição, são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em nossos corações.

VI. Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens; reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima iluminação do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das coisas reveladas na palavra, e que há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comum às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras gerais da palavra, que sempre devem ser observadas.

X. O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares, o Juiz Supremo em cuja sentença nos devemos firmar não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura. (WESTMINSTER 2007).


Os nossos símbolos de fé em nenhum momento arrogam para si a prerrogativa de igualdade com as Escrituras, mas faz exatamente o oposto, reconhece que a Palavra de Deus está acima de qualquer coisa e que esta é a palavra final sobre qualquer assunto.

2. Ela nos ajuda a mantermos a paz e a unidade na igreja.

Outra coisa que os confessionais são muito acusados é de serem divisionistas. Na verdade, um dos objetivos dos credos e confissões durante toda história da igreja era o de manter a unidade e a paz. Sempre houve quem discordasse de uma ou outra interpretação bíblica dada por algum credo ou confissão. A questão é que muitas vezes os opositores discordavam de pontos essenciais da fé cristã defendida pelos símbolos. Heresias como o Arianismo, o Sabelianismo, Unitarismo, livre-arbítrio pós queda e tantos outras foram defendidas por homens que tiveram suas ideias rechaçadas pela igreja através de sínodos e concílios que serviram de base para a igreja posterior se defender contra as mesmas, mantendo assim a unidade doutrinária e a paz no meio da igreja. Em seu capítulo XX sessão IV a CFW afirma o seguinte:

IV. Visto que os poderes que Deus ordenou, e a liberdade que Cristo comprou, não foram por Deus designados para destruir, mas para que mutuamente nos apoiemos e preservemos uns aos outros, resistem à ordenança de Deus os que, sob pretexto de liberdade cristã, se opõem a qualquer poder legítimo, civil ou religioso, ou ao exercício dele. Se publicarem opiniões ou mantiverem práticas contrárias à luz da natureza ou aos reconhecidos princípios do Cristianismo concernentes à fé, ao culto ou ao procedimento; se publicarem opiniões, ou mantiverem práticas contrárias ao poder da piedade ou que, por sua própria natureza ou pelo modo de publicá-las e mantê-las, são destrutivas da paz externa da Igreja e da ordem que Cristo estabeleceu nela, podem, de justiça ser processados e visitados com as censuras eclesiásticas. (WESTMINSTER 2007).

Ainda tratando sobre o assunto também nos afirma a confissão de fé no capítulo XXXI sessões II e III:

II. Aos sínodos e concílios compete decidir ministerialmente controvérsias quanto à fé e casos de consciência, determinar regras e disposições para a melhor direção do culto público de Deus e governo da sua Igreja, receber queixas em caso de má administração e autoritativamente decidi-las. Os seus decretos e decisões, sendo consoantes com a palavra de Deus, devem ser recebidas com reverência e submissão, não só pelo seu acordo com a palavra, mas também pela autoridade pela qual são feitos, visto que essa autoridade é uma ordenação de Deus, designada para isso em sua palavra.

III. Todos os sínodos e concílios, desde os tempos dos apóstolos, quer gerais quer particulares, podem errar, e muitos têm errado; eles, portanto, não devem constituir regra de fé e prática, mas podem ser usados como auxílio em uma e outra coisa. (WESTMINSTER 2007).

Podemos perceber claramente que os nossos padrões de fé entendem que estes não estão acima das santas Escrituras e que até mesmo reconhecem que os concílios podem errar, sim, a confissão de fé não é infalível e nem inerrante. Portanto, afirmar que quem jura fidelidade aos símbolos de fé está os colocando em igualdade com as Escrituras, na verdade não os conhecem e cometem um grande engano. Chamar os confessionais de divisionistas é não entender que, para que haja paz é necessário ordem, submissão e disciplina.  Não defendemos paz a qualquer preço, mas sim, unidade na verdade. Como nos ensina nosso Senhor no Evangelho de João no capítulo 17.

3. A nossa confissão de fé nos guia contra erros do passado.

Outro dos objetivos dos credos e confissões era o de evitar que a igreja caísse nas mesmas heresias do passado. De tempos em tempos sempre aparece alguém trazendo de volta antigos erros doutrinários em roupagem nova, com um novo linguajar, mas a raiz é sempre a mesma de outrora. Daí a necessidade de nos voltarmos para o passado para buscar em documentos elaborados por homens que foram grandemente usados por Deus para a instrução da Sua igreja, o apóstolo Paulo nos ensina sobre isso na carta aos Efésios no capítulo quatro quando diz:

E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro. (Efésios 4. 11-14).


O caso do eunuco também tem muito a nos ensinar, a Escritura nos diz:

Um anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: Dispõe-te e vai para o lado do Sul, no caminho que desce de Jerusalém a Gaza; este se acha deserto. Ele se levantou e foi. Eis que um etíope, eunuco, alto oficial de Candace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todo o seu tesouro, que viera adorar em Jerusalém, estava de volta e, assentado no seu carro, vinha lendo o profeta Isaías. Então, disse o Espírito a Filipe: Aproxima-te desse carro e acompanha-o. Correndo Filipe, ouviu-o ler o profeta Isaías e perguntou: Compreendes o que vens lendo? Ele respondeu: Como poderei entender, se alguém não me explicar? E convidou Filipe a subir e a sentar-se junto a ele. Ora, a passagem da Escritura que estava lendo era esta: Foi levado como ovelha ao matadouro; e, como um cordeiro mudo perante o seu tosquiador, assim ele não abriu a boca. Na sua humilhação, lhe negaram justiça; quem lhe poderá descrever a geração? Porquê da terra a sua vida é tirada. Então, o eunuco disse a Filipe: Peço-te que me expliques a quem se refere o profeta. Fala de si mesmo ou de algum outro? Então, Filipe explicou; e, começando por esta passagem da Escritura, anunciou-lhe a Jesus. (Atos 4.26-35).


As Escrituras nos ensinam que o próprio Deus é quem levanta homens para a instrução do seu povo, com o objetivo de não deixar que este não caia no erro e nas astúcias dos homens e que possam chegar a salvação. O etíope estava lendo as Escrituras, mas não conseguia compreender, foi necessário Deus enviar Felipe para que o mesmo pudesse entender a Bíblia e ser salvo. O que precisamos é abandonar a nossa soberba espiritual e entender que Deus usou homens no passado e ainda os usa hoje para que sua igreja seja protegida do erro. Sendo assim, subscrever um símbolo de fé é reconhecer que Deus capacitou através do Espírito Santo homens para instruir a Sua igreja contra os erros, mostra também a nossa humildade em reconhecer que houve homens mais capacitados do que nós que podem nos ajudar a entender melhor o conteúdo das Santas Escrituras.

Conclusão

Que possamos amar os nossos símbolos de fé sem medo de que estejamos sendo infiéis as Escrituras, que possamos nos sujeitar as autoridades pelas quais o Senhor Jesus exerce o seu governo na igreja conforme nos ensina o Catecismo Maior em sua pergunta 45:

Como exerce Cristo as funções de rei?

Cristo exerce as funções de rei chamando do mundo um povo para si, dando-lhe oficiais, leis e disciplinas para visivelmente o governar; dando a graça salvadora aos seus eleitos; recompensando a sua obediência e corrigindo-os por causa dos seus pecados; preservando-os por causa dos seus pecados; preservando-os e sustentando-os em todas as tentações e sofrimentos; restringindo e vencendo todos os seus inimigos, e poderosamente dirigindo todas as coisas para a sua própria glória e para o bem do seu povo; e também castigando os que não conhecem a Deus nem obedecem ao Evangelho. (WESTMINSTER 2007).


Que possamos entender que ser confessional não é ser anti-bÍblico ou ter a bíblia subordinada aos símbolos de fé, mas que antes, nos submetemos a eles por que os mesmos se submetem a Bíblia. Que Deus tenha misericórdia de nós e nos ajude nessa tarefa.

Soli Deo Glória!

terça-feira, 16 de junho de 2015

Quem deve pregar na igreja?


Por Anderson Borges


Dia desses estava vendo uma postagem de um colega e ex-companheiro de sala de aula do seminário. No referido post, ele tratava sobre a questão de quem deveria assumir o púlpito da igreja para a pregação. Ele defendia a posição esboçada nos símbolos de fé de Westminster, e o foco dele era quanto impossibilidade das mulheres pregarem. Infelizmente meu querido colega foi acusado de fundamentalista e até judaizante, e o pior de tudo é que não foi por pessoas leigas ou de outras denominações, mas sim, por pastores presbiterianos. Os argumentos usados contra o post foram todos baseados na experiência pessoal e não na Escritura Sagrada. Confesso que isso me deixou muito triste e indignado me encorajando então a escrever este breve post.

A minha intenção aqui será analisar o texto da primeira carta de Paulo a Timóteo no capítulo 2 verso 12 e o que o Catecismo Maior de Westminster diz em sua pergunta 158. Começemos pelo Catecismo que nos fala o seguinte:

Por quem a Palavra de Deus deve ser pregada?
Resposta: A Palavra de Deus deve ser pregada somente por aqueles que têm dons suficientes, e são devidamente aprovados e chamados para o ministério. (WESTMINSTER, 2007).

O entendimento natural do texto do Catecismo é de que só podem pregar a Palavra de Deus aqueles que foram devidamente chamados ao ministério e que estes devem ser preparados para tal. Uma distinção que deve ser feita aqui é que a pregação que o Catecismo se refere é aquela que é feita na igreja local de forma oficial. Aqueles que não são ordenados ou licenciados podem em ocasiões especificas e supervisionados pelo ministro e o conselho da igreja pregar na congregação.

Entendemos também que todo crente é chamado para pregar o evangelho de forma geral atendendo a ordem do nosso Senhor na grande comissão, quanto a este assunto o Rev. Paulo Anglada em seu livro “Introdução a Pregação Reformada” nos diz que:

Isto não significa que os crentes de modo geral não possam evangelizar e testemunhar da esperança que neles há, individual e informalmente. É dever de todo crente estar preparado para explicar as razões de sua fé (1 Pe 3:15). Também não significa que não possam instruir-se, aconselhar-se, exortar-se, encorajar-se e confortar-se mutuamente. (ANGLADA, p. 87).

Ainda tratando deste assunto o grande teólogo Charles Spurgeon em seu opúsculo “O Chamado Para o Ministério” afirma que:

Todo cristão capaz de disseminar o evangelho tem direito de fazê-lo. Ainda mais, não só tem direito, mas é seu dever fazê-lo enquanto viver. (Ap. 22:17). A propagação do evangelho foi entregue, não a uns poucos, mas a todos os discípulos do Senhor Jesus Cristo. (SPURGEON, p. 01).

Devemos entender que existe uma clara distinção entre pregar a Palavra de Deus oficialmente na congregação e a nossa obrigação de pregar o Evangelho a toda criatura.

A pregação oficial da igreja deve ser feita somente por homens que foram chamados e capacitados para essa sublime tarefa. Gostaria de colocar aqui o comentário do teólogo Geerhardus Vos ao Catecismo Maior de Westminster que nos ajuda no entendimento da pergunta do Catecismo, ele afirma o seguinte:

Claro está que a pregação da Palavra é uma obra de importância muito grande. São necessárias as qualificações apropriadas para que seja feita da maneira adequada. Há qualificações espirituais, intelectuais e educacionais sobre as quais se deve insistir para que a igreja tenha um ministério adequado... um homem incapaz de pensar corretamente, incapaz de detectar a falácia de um argumento perverso, é passível de ser ele mesmo desviado por um falso ensinamento e, por sua vez, capaz de desviar outros. Um homem a quem falta educação geral e teológica normalmente não será capaz de fazer justiça a grande obra de pregação da Palavra de Deus e correrá o perigo de pregar uma mensagem desequilibrada ou parcial. Quando Deus chama um homem para a obra do ministério, também o aparelha com as habilidades e qualificações necessárias para que possa realizar a obra adequadamente. (VOS, p. 508-509).

Devemos deixar claro também que existem casos em que Deus pode chamar homens que não tenham um nível escolar alto ou até mesmo nenhum tipo de educação formal. A própria Escritura nos mostra que alguns discípulos de Cristo não tiveram instrução formal mas foram chamados ao ministério. Tratando deste assunto, Geerhardus Vos nos auxilia mais uma vez no seu comentário do Catecismo quando diz:

Eles, no entanto, gozaram da inestimável vantagem de passarem três anos na companhia de Jesus sob a sua instrução pessoal. Deus as vezes chama para o oficio ministerial um homem com pouca ou nenhuma educação formal e nesses casos excepcionais, onde está evidente a chamada divina, a igreja não deve hesitar em ordenar o candidato. (VOS, p. 508).

Apesar de Deus chamar alguns que não são dotados de educação formal, o próprio Vos nos diz que “não se deve permitir que a exceção torne-se regra”.

Mas fica ainda a questão das mulheres, afinal elas podem ou não pregar na igreja? Creio que tanto as Escrituras como o Catecismo Maior de Westminster deixam claro que as mulheres não devem pregar na congregação, nem mesmo em ocasiões especificas. O grande princípio por trás destas afirmações é a idéia do chamado. O ensino das Escrituras demonstram que o chamado para o ministério é exclusivamente masculino. Gostaria de citar mais uma vez o Rev. Paulo Anglada que afirma:

O requisito fundamental para o pregador, na concepção reformada, é a comissão. A pregação pública do evangelho é tarefa primordial dos ministros da Palavra, isto é, de homens chamados por Deus, reconhecidos como tais pela igreja, e ordenados por imposição de mãos de um presbitério para o oficio. (ANGLADA, p. 86).

Charles Spurgeon mais uma vez nos ajuda quando diz:

Todavia, o nosso serviço não assume necessariamente a forma particular de pregação. Seguramente, em alguns casos é preciso que não, como por exemplo no caso das mulheres, cujo o ensino público é expressamente proibido: 1 Tm. 2:12; 1 Co. 14:34. (SPURGEON, p.01).

As mulheres não podem assumir a pregação em nossas igrejas não é por falta de capacidade intelectual ou alguma deficiência que as possam impedir, mas por um princípio bíblico, a mulher não foi chamada para o ministério. João Calvino em seu “Comentário das cartas Pastorais”, especificamente o texto da primeira carta a Timóteo no capítulo 2 verso 12, nos diz como se segue:

Paulo não está falando das mulheres em seu dever de instruir sua família; está apenas excluindo-as do oficio do sacro magistério, o qual Deus confiou exclusivamente aos homens... se alguém desafiar esta disposição, citando o caso de Débora (Jz. 4.4) e outras mulheres sobre quem lemos que Deus, em determinado tempo, as designou para governar o povo, a resposta óbvia é que os atos extraordinários de Deus não anulam as regras ordinárias, as quais Ele quer que nos sujeitemos... a razão por que as mulheres são impedidas consiste em que tal coisa não é compatível com o seu status, que é serem elas submissas aos homens, quando a função de ensinar subentende autoridade e status superior. (CALVINO, p. 70-71).

Ainda quanto a este tema o grande comentarista bíblico William Hendriksen comentando o mesmo texto de 1º Timóteo supracitado afirma o seguinte:

Embora estas palavras possam soar como pouco amistosas, na verdade são precisamente o oposto. Aliás, expressam o sentimento de terna simpatia e de compreensão básica. Significam que a mulher não deve entrar na esfera de atividade para a qual a força de sua própria criação não é apta. Que a ave não tente viver debaixo d’água. Que o peixe não tente viver em terra seca. Que a mulher não queira exercer autoridade sobre o homem, instruindo-o nos cultos públicos. Por amor a ela e para o bem-estar espiritual da igreja, proíbe-se esta pecaminosa intromissão na autoridade divina. (HENDRIKSEN, p. 139-140).

Apesar de alguns tentarem distorcer ou ignorar o texto bíblico e dos símbolos de fé de Westminster, percebemos que estes são claros em afirmar que só quem pode assumir o púlpito das nossas igrejas são homens devidamente chamados para o ministério. Em determinados casos homens que ainda não estejam ordenados podem pregar publicamente a Palavra de Deus tutelados pelo ministro e pelo conselho da igreja. Deixo claro que não há aqui nenhum entendimento de que as mulheres não são capazes para tal, ou que elas não têm importância na igreja, mas sim, que elas não foram chamadas para o ministério da Palavra. As mulheres sempre tiveram um papel importante na igreja do Senhor e ainda o tem. Mas a pregação oficial do evangelho foi reservada aos homens que foram chamados para tal.

Tenho visto que muitos ministros em busca de tentar contextualizar as suas congregações acabam caindo no velho erro do pragmatismo e acabam por mundanizar a igreja local. Nós não devemos ser guiados pelos paradigmas da sociedade, nem por nossas experiências pessoais, antes pela única regra de fé e prática da verdadeira igreja cristã, as Escrituras Sagradas.


Soli Deo Glória!!

segunda-feira, 1 de junho de 2015

A Antítese Protestante Contra o Fenômeno dos Desigrejados

Por Rev. Adilson Lordêlo


Dentre os fenômenos religiosos e terminologias consideradas por alguns historiadores, como relativamente recentes no seio do protestantismo brasileiro, há um termo que chama atenção para um grupo, os desigrejados. A palavra tem relação estreita com o conceito romanista de católicos não praticantes e sinaliza a existência de pessoas, que embora tenham sido criadas em igrejas protestantes históricas, afastaram-se do convívio religioso e vivem como crentes nominais.

O objetivo principal do presente editorial é discorrer sobre o valor histórico de alguns princípios protestantes fundamentais para a preservação da identidade religiosa. Glaucilia Perrucci em opúsculo onde discorre acerca de alguns valores que considera importantes para a continuidade do compromisso religioso, enumera três, que são: “1-) Frequência assídua à escola dominical; 2-) oportunidade de estudo em escola evangélica; 3-) culto doméstico” (PERRUCCI, 1998). Os princípios estabelecidos por Glaucilia em sua pesquisa, quando observados, são de suma importância para a preservação da fidelidade a identidade cristã. A escola dominical presbiteriana, que cumpre o papel da educação no âmbito extraescolar, tem sido objeto de pesquisas entre alguns educadores, que tem revelado em suas analises, a eficácia do seu ensino, tanto na emancipação e desenvolvimento intelectual dos alunos, quanto na preservação da identidade religiosa. Em artigo da revista da FAEEBA – Vinculada ao PPGDUC – Programa de Mestrado e Doutorado em Educação e Contemporaneidade da UNEB, cujo tema é: “A Escola Dominical Presbiteriana: Disseminação de Saberes e Práticas”, Ester Fraga e Nicole Bertinatt, revelam a consciência dos primeiros missionários acerca da necessidade do estabelecimento das escolas dominicais, bem como seus resultados para o reino de Deus: “Logo que Simonton chegou ao Brasil percebeu a importância de uma estratégica educacional e, um ano após sua chegada, em abril de 1860, criou, no Rio de Janeiro, a primeira Escola Dominical Presbiteriana do Brasil. Em sua própria casa, Simonton contou com a presença de cinco crianças e utilizou a Bíblia, o Catecismo e o livro o Peregrino [...] Os resultados aqui reunidos apresentam a Escola Dominical como uma prática pedagógica, cujo principal objetivo era ensinar a doutrina protestante por meio da Bíblia. As Escolas Dominicais foram um dos mais eficazes meios de disseminação do Protestantismo no Brasil [...] A Escola Dominical era idealizada como uma instituição imprescindível à igreja, existindo para levar melhor instrução ao povo sobre o conhecimento da Bíblia, sendo este o seu desígnio principal” (NASCIMENTO & BERTINATTI, 1992, pp. 98, 103). O artigo cientifico cujo tema é “A Influência da Educação Calvinista na Formação da Professora Ivete Alves Sacramento”, destaca através da fala da referida educadora o valor da escola dominical presbiteriana em sua formação: “Você vê a riqueza intelectual que a escola dominical traz para um cidadão. Então eu tive essa influência dessa escola dominical em que você também tinha que preparar seu assunto e apresentar oralmente para outros pares na sua adolescência. Imagine a riqueza de formação intelectual que se tem fora da escola formal, então a escola dominical levava para a escola formal indiretamente o conhecimento de forma multidisciplinar” (LORDÊLO, 2014, p. 12).

Outro aspecto importante destacado por Perrucci na continuidade dos valores religiosos nas famílias dos protestantes é “a oportunidade de estudo em escola evangélica”. Um dos fenômenos religiosos que revolucionou a educação na Europa a partir do século XVI, foi à visão que os reformadores tiveram da necessidade de educar o povo, de onde surgiu a ideia de que ao lado de cada igreja deveria se instituir uma escola. Este projeto tomou forma inicialmente com o reformador francês, João Calvino que: “Também era um humanista e um “scholar” antes de se tornar um reformador. A tradição humanista do século XVI imprimiu uma marca indelével sobre todo o futuro da tradição reformada. Em todos os lugares em que a comunidade reformada se estabeleceu, surgiram escolas ao lado dos templos não somente para o ensino da Bíblia ou para ensinar a ler a Bíblia e outras habilidades relacionadas com o seu estudo, mas também todo elenco das artes liberais, para libertar o espirito humano [...] a academia de Genebra era, em muitos aspectos, a coroação do trabalho de Calvino na cidade” (LEITH, 1996, p. 123-124, apud GREGGERSEN, 2002, p. 65).

No Brasil a chegada dos primeiros missionários protestantes, foi marcada pela herança herdada da primeira geração de reformadores, que disseminaram a ideia de que ao lado de cada igreja, deveria se estabelecer uma escola. Este projeto tornou-se realidade entre os presbiterianos brasileiros com a implantação da Escola Americana, que posteriormente tornou-se o Mackenzie College: “Os presbiterianos norte-americanos começaram a organizar escolas protestantes no Brasil a partir de 1870, fundando em São Paulo a Escola Americana, futuro Mackenzie College [...] A Escola Americana oferecia os cursos primário, secundário e superior científico. Posteriormente, o Mackenzie College seria a escola modelo da missão presbiteriana, utilizando os métodos, os livros didáticos traduzidos e a organização similar aos das escolas públicas de Nova Iorque. Na escola primária anexa ao Mackenzie College, conhecida como Escola Americana, os futuros professores praticavam o novo método de ensino, que se propunha a ser ‘concreto, racional e ativo, denominado ensino pelo aspecto, lições de coisas ou ensino intuitivo’, ou seja, aliar a observação e o trabalho numa mesma atividade” (NASCIMENTO & BERTINATTI, 1992, pp. 98-99, Apud, NASCIMENTO, 2008, p. 6, 12, 13).

A história das missões protestantes no Brasil, ainda indica o valor do culto doméstico como argamassa para a solidificação espiritual da família da fé. Foi através de um desses cultos, que José Manoel da Conceição, um sacerdote católico romano, foi atraído a Jesus, tornando-se o primeiro ministro presbiteriano nascido no Brasil. A Confissão de Fé de Westminster, no capítulo XXI, seção VI sinaliza o valor do culto em família: “Agora, sob o Evangelho, nem a oração, nem qualquer outra parte do culto religioso se restringe ou se faz mais aceitável a um certo lugar em que se ofereça ou para o qual se dirija; mas Deus deve ser adorado em todo lugar em espírito e em verdade; tanto em família, diariamente e em secreto, estando cada um sozinho”. Dentre outros ensinos, esta seção, enfatiza que uma das formas pelas quais podemos adorar a Deus é através do culto doméstico, verdadeiro alimento para preservação da identidade religiosa do povo de Deus.

O que está acontecendo com os nossos jovens? Onde temos falhado? Perdemos a visão dos nossos pais? Esquecemos o valor da ideologia preconizada pela primeira geração de reformadores onde a eficácia da educação formal se concretizou através da extraescolar? Relativizamos o valor da escola dominical, reduzindo-a a um discurso superficial, subjetivo e relativista? E quanto ao culto doméstico, perdemos a visão dos seus benefícios? Obviamente, nem todos desfrutam de todas os recursos aqui apresentados contra o fenômeno dos desigrejados, no entanto, o meios que estão disponibilizados devem ser utilizados da forma mais excelente, a fim de preservar a identidade religiosa do povo da aliança.