quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Que tipo de confessional eu devo ser?


Por Anderson Borges.

Se perguntarmos a muitos oficiais e ministros da IPB se eles subscrevem os símbolos de fé, a resposta é contundente, sim! A grande questão é: a que tipo de subscrição estamos falando? Porque ao observar com mais atenção a questão, percebemos que existe um abismo entre a afirmação que é feita em favor da subscrição confessional e a prática daqueles que a afirmam. E um detalhe muito importante que essas pessoas não se atentam (e a maioria infelizmente nem sabe) é que existem pelo menos três tipos de subscrição confessional. A partir desta observação, o meu objetivo neste artigo é mostrar de forma bastante simples, a incongruência existente entre a afirmação e a prática confessional pelo menos dentro da IPB. Pois, no discurso assumimos um tipo de subscrição confessional, mas na prática outro bem diferente. Identificar qual são esses tipos de subscrição talvez nos ajude a esclarecer qual modalidade é a mais coerente com aqueles que pertencem a IPB. 

Antes, porém de continuarmos é preciso definir alguns termos1 necessários para um entendimento melhor da questão, vejamos:

1.    Qualificação: É o ato de um subscrevente do símbolo de fé expressar de um modo próprio seu entendimento quanto a um tópico doutrinário contido naquele símbolo; isso não implica necessariamente em divergência com relação a doutrina, mas uma interpretação pessoal, qualificada, num ponto secundário.

2.    Reserva: É uma discordância sobre determinada doutrina ou parte de doutrina, ao que o subscrevente pode até comprometer-se a não questionar. Quando essa discordância é particular chama-se de reserva mental, quando pública denomina-se de exceção.

3.    Exceção: Constitui esta uma reserva com discordância pública, assumida, em relação a determinada doutrina fundamental do símbolo confessional, ou então quanto a parte da mesma, na forma em que está expressa.

Agora que já entendemos os termos acima, prossigamos com as três modalidades2 existentes de subscrição confessional:

 1. Subscrição Estrita ou literal.
Nesse tipo de subscrição recebe-se o documento confessional na integra, concorda-se com todo o seu conteúdo, inclusive com a forma e os termos em que a doutrina é exposta. Rejeita-se qualquer tipo de reserva mental, qualificações e exceções. Reconhece que a confissão está subordinada a Bíblia, mas enfatiza o seu alto grau de fidelidade para com o texto Bíblico independente da época ou contexto.


2. Subscrição Ampla.
Essa modalidade de subscrição defende o entendimento amplo do que seja “subscrição ao sistema de doutrinas”, como referindo-se ao sistema doutrinário do Calvinismo em geral, ou seja, não subscreve cada capítulo, artigo e afirmação teológica da confissão, preocupa-se apenas com o essencial com aquilo que é fundamental e flexibilidade nos aspectos não fundamentais. Nessa modalidade é permitido reservas mentais, qualificações e até mesmo exceções do texto do documento confessional quanto a alguns ou vários pontos.


3. Subscrição integral.
Nesse tipo de subscrição o documento confessional é recebido na integra, concorda-se com todo o seu conteúdo sem nenhum tipo de reserva mental, há também o reconhecimento de que os símbolos de fé são a fiel exposição das Escrituras e que aqueles estão subordinados a Palavra de Deus, e o reconhecimento de que há partes mais fundamentais que outras nas doutrinas dos símbolos de fé. Nessa modalidade é permitido qualificações, mas não é aceita reservas nem exceções.


Conclusão.
A igreja Presbiteriana do Brasil adota esta última modalidade de subscrição conforme preceitua a CI/IPB no art. 119 que diz:

 “O candidato, concluídos seus estudos, apresentar-se-á ao Presbitério que o examinará quanto à sua experiência religiosa e motivos que o levaram a desejar o Sagrado Ministério, bem como nas matérias do curso teológico. Parágrafo único. Poderá o Presbitério dispensar o candidato do exame das matérias do curso teológico; não o dispensará nunca do relativo à experiência religiosa, opiniões teológicas e conhecimento dos Símbolos de Fé, exigindo a aceitação integral dos últimos.”

Apesar de no discurso sermos confessionais integrais, a nossa pratica atual na IPB é de uma confessionalidade ampla. O que temos visto na prática é que a IPB atualmente toma os Símbolos de fé apenas como uma referência, mais uma interpretação da Bíblia entre outras, os artigos da confissão de fé e dos catecismos recebem novas interpretações ou “contextualizações”, perdeu-se o senso de que nossos símbolos são a fiel exposição da Palavra de Deus. É claro que há muitos ministros e oficiais que não pensam assim, mas a esmagadora maioria tem caminhado por esse triste rumo.

Respondendo então a nossa pergunta inicial, que tipo de confessional eu devo ser? Eu diria que devemos ser confessionais integrais obedecendo a constituição da nossa igreja, a qual nos submetemos e juramos obediência de livre vontade. Apesar da nossa constituição exigir apenas dos oficiais e ministros a subscrição integral, entendo que por uma questão de coerência os nossos membros também deveriam trilhar a mesma estrada. Que o eterno Deus tenha piedade de nós e nos auxilie nesta tarefa.

Soli Deo Glória!


1Para a explicação dos temos reserva, qualificação e exceção e das modalidades de subscrição, utilizei como referência o livro do Rev. Ulisses Horta Simões, intitulado: A Subscrição Confessional: Necessidade, Relevância e Extensão. P. 84, 86, 89.

2 Ibid. P. 93, 94, 95.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Pra que confissão de fé se temos a Bíblia?


Por Anderson Borges

Um questionamento muito comum que muitas pessoas que são membros de uma igreja confessional fazem é:  por que precisamos de uma confissão de fé se temos a bíblia?  O motivo desse questionamento é por que se entende que jurar fidelidade a um símbolo de fé implica diretamente em infidelidade a Bíblia ou tê-los como iguais em autoridade a Palavra de Deus. Geralmente os confessionais são acusados de colocarem o seu documento confessional no mesmo patamar que a bíblia, é fato que realmente alguns poucos chegam a este ponto, mas de forma geral essa acusação é equivocada. Sou pastor da igreja Presbiteriana do Brasil que é uma igreja confessional em seus documentos oficiais, e em sua constituição no artigo 1 ela nos diz o seguinte:

 A Igreja Presbiteriana do Brasil é uma federação de igrejas locais, que adota como única regra de fé e prática as Escrituras Sagradas do Velho e Novo Testamentos e como sistema expositivo de doutrina e prática a sua Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve; rege-se pela presente Constituição; é pessoa jurídica, de acordo com as leis do Brasil, sempre representada civilmente pela sua Comissão Executiva e exerce o seu governo por meio de concílios e indivíduos, regularmente instalados.”

Além de ser uma igreja confessional a IPB exige que seus ministros e oficiais também o sejam, o Art. 119 da referida constituição também nos diz:

 “O candidato, concluídos seus estudos, apresentar-se-á ao Presbitério que o examinará quanto à sua experiência religiosa e motivos que o levaram a desejar o Sagrado Ministério, bem como nas matérias do curso teológico. Parágrafo único. Poderá o Presbitério dispensar o candidato do exame das matérias do curso teológico; não o dispensará nunca do relativo à experiência religiosa, opiniões teológicas e conhecimento dos Símbolos de Fé, exigindo a aceitação integral dos últimos.”

A IPB não somente entende e adota os padrões de fé de Westminster como a exposição fiel da doutrina bíblica como exige aceitação integral por parte da sua liderança. Mas por que nós afirmamos o Sola Scriptura ao mesmo tempo que juramos fidelidade aos símbolos de fé, não seria isto uma contradição? Ainda restam dúvidas tanto por parte dos ministros e oficiais como dos membros da IPB do porque a mesma exigir dos seus líderes que aceitem os símbolos de fé de forma integral e que jure fidelidade aos mesmos assim como o fazem com a bíblia. Se a bíblia está acima dos padrões de fé, por que devemos aceita-los de forma integral e jurar fidelidade a eles? Meu intuito com este artigo não é de esgotar o assunto, mas de tentar esclarecer alguns pontos que podem nos ajudar a entender melhor esse tema, a saber:

1. A confissão de fé nos leva para bíblia.

A confissão de fé de Westminster está subordinada as Escrituras, em nenhum momento aquela a sobrepõe, muito pelo contrário a exalta. No capítulo 1 nas sessões IV, V, VI e X a confissão de fé de Westminster afirma:

IV. A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a palavra de Deus.

V. Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço da Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, e eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completa perfeição, são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em nossos corações.

VI. Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens; reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima iluminação do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das coisas reveladas na palavra, e que há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comum às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras gerais da palavra, que sempre devem ser observadas.

X. O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares, o Juiz Supremo em cuja sentença nos devemos firmar não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura. (WESTMINSTER 2007).


Os nossos símbolos de fé em nenhum momento arrogam para si a prerrogativa de igualdade com as Escrituras, mas faz exatamente o oposto, reconhece que a Palavra de Deus está acima de qualquer coisa e que esta é a palavra final sobre qualquer assunto.

2. Ela nos ajuda a mantermos a paz e a unidade na igreja.

Outra coisa que os confessionais são muito acusados é de serem divisionistas. Na verdade, um dos objetivos dos credos e confissões durante toda história da igreja era o de manter a unidade e a paz. Sempre houve quem discordasse de uma ou outra interpretação bíblica dada por algum credo ou confissão. A questão é que muitas vezes os opositores discordavam de pontos essenciais da fé cristã defendida pelos símbolos. Heresias como o Arianismo, o Sabelianismo, Unitarismo, livre-arbítrio pós queda e tantos outras foram defendidas por homens que tiveram suas ideias rechaçadas pela igreja através de sínodos e concílios que serviram de base para a igreja posterior se defender contra as mesmas, mantendo assim a unidade doutrinária e a paz no meio da igreja. Em seu capítulo XX sessão IV a CFW afirma o seguinte:

IV. Visto que os poderes que Deus ordenou, e a liberdade que Cristo comprou, não foram por Deus designados para destruir, mas para que mutuamente nos apoiemos e preservemos uns aos outros, resistem à ordenança de Deus os que, sob pretexto de liberdade cristã, se opõem a qualquer poder legítimo, civil ou religioso, ou ao exercício dele. Se publicarem opiniões ou mantiverem práticas contrárias à luz da natureza ou aos reconhecidos princípios do Cristianismo concernentes à fé, ao culto ou ao procedimento; se publicarem opiniões, ou mantiverem práticas contrárias ao poder da piedade ou que, por sua própria natureza ou pelo modo de publicá-las e mantê-las, são destrutivas da paz externa da Igreja e da ordem que Cristo estabeleceu nela, podem, de justiça ser processados e visitados com as censuras eclesiásticas. (WESTMINSTER 2007).

Ainda tratando sobre o assunto também nos afirma a confissão de fé no capítulo XXXI sessões II e III:

II. Aos sínodos e concílios compete decidir ministerialmente controvérsias quanto à fé e casos de consciência, determinar regras e disposições para a melhor direção do culto público de Deus e governo da sua Igreja, receber queixas em caso de má administração e autoritativamente decidi-las. Os seus decretos e decisões, sendo consoantes com a palavra de Deus, devem ser recebidas com reverência e submissão, não só pelo seu acordo com a palavra, mas também pela autoridade pela qual são feitos, visto que essa autoridade é uma ordenação de Deus, designada para isso em sua palavra.

III. Todos os sínodos e concílios, desde os tempos dos apóstolos, quer gerais quer particulares, podem errar, e muitos têm errado; eles, portanto, não devem constituir regra de fé e prática, mas podem ser usados como auxílio em uma e outra coisa. (WESTMINSTER 2007).

Podemos perceber claramente que os nossos padrões de fé entendem que estes não estão acima das santas Escrituras e que até mesmo reconhecem que os concílios podem errar, sim, a confissão de fé não é infalível e nem inerrante. Portanto, afirmar que quem jura fidelidade aos símbolos de fé está os colocando em igualdade com as Escrituras, na verdade não os conhecem e cometem um grande engano. Chamar os confessionais de divisionistas é não entender que, para que haja paz é necessário ordem, submissão e disciplina.  Não defendemos paz a qualquer preço, mas sim, unidade na verdade. Como nos ensina nosso Senhor no Evangelho de João no capítulo 17.

3. A nossa confissão de fé nos guia contra erros do passado.

Outro dos objetivos dos credos e confissões era o de evitar que a igreja caísse nas mesmas heresias do passado. De tempos em tempos sempre aparece alguém trazendo de volta antigos erros doutrinários em roupagem nova, com um novo linguajar, mas a raiz é sempre a mesma de outrora. Daí a necessidade de nos voltarmos para o passado para buscar em documentos elaborados por homens que foram grandemente usados por Deus para a instrução da Sua igreja, o apóstolo Paulo nos ensina sobre isso na carta aos Efésios no capítulo quatro quando diz:

E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro. (Efésios 4. 11-14).


O caso do eunuco também tem muito a nos ensinar, a Escritura nos diz:

Um anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: Dispõe-te e vai para o lado do Sul, no caminho que desce de Jerusalém a Gaza; este se acha deserto. Ele se levantou e foi. Eis que um etíope, eunuco, alto oficial de Candace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todo o seu tesouro, que viera adorar em Jerusalém, estava de volta e, assentado no seu carro, vinha lendo o profeta Isaías. Então, disse o Espírito a Filipe: Aproxima-te desse carro e acompanha-o. Correndo Filipe, ouviu-o ler o profeta Isaías e perguntou: Compreendes o que vens lendo? Ele respondeu: Como poderei entender, se alguém não me explicar? E convidou Filipe a subir e a sentar-se junto a ele. Ora, a passagem da Escritura que estava lendo era esta: Foi levado como ovelha ao matadouro; e, como um cordeiro mudo perante o seu tosquiador, assim ele não abriu a boca. Na sua humilhação, lhe negaram justiça; quem lhe poderá descrever a geração? Porquê da terra a sua vida é tirada. Então, o eunuco disse a Filipe: Peço-te que me expliques a quem se refere o profeta. Fala de si mesmo ou de algum outro? Então, Filipe explicou; e, começando por esta passagem da Escritura, anunciou-lhe a Jesus. (Atos 4.26-35).


As Escrituras nos ensinam que o próprio Deus é quem levanta homens para a instrução do seu povo, com o objetivo de não deixar que este não caia no erro e nas astúcias dos homens e que possam chegar a salvação. O etíope estava lendo as Escrituras, mas não conseguia compreender, foi necessário Deus enviar Felipe para que o mesmo pudesse entender a Bíblia e ser salvo. O que precisamos é abandonar a nossa soberba espiritual e entender que Deus usou homens no passado e ainda os usa hoje para que sua igreja seja protegida do erro. Sendo assim, subscrever um símbolo de fé é reconhecer que Deus capacitou através do Espírito Santo homens para instruir a Sua igreja contra os erros, mostra também a nossa humildade em reconhecer que houve homens mais capacitados do que nós que podem nos ajudar a entender melhor o conteúdo das Santas Escrituras.

Conclusão

Que possamos amar os nossos símbolos de fé sem medo de que estejamos sendo infiéis as Escrituras, que possamos nos sujeitar as autoridades pelas quais o Senhor Jesus exerce o seu governo na igreja conforme nos ensina o Catecismo Maior em sua pergunta 45:

Como exerce Cristo as funções de rei?

Cristo exerce as funções de rei chamando do mundo um povo para si, dando-lhe oficiais, leis e disciplinas para visivelmente o governar; dando a graça salvadora aos seus eleitos; recompensando a sua obediência e corrigindo-os por causa dos seus pecados; preservando-os por causa dos seus pecados; preservando-os e sustentando-os em todas as tentações e sofrimentos; restringindo e vencendo todos os seus inimigos, e poderosamente dirigindo todas as coisas para a sua própria glória e para o bem do seu povo; e também castigando os que não conhecem a Deus nem obedecem ao Evangelho. (WESTMINSTER 2007).


Que possamos entender que ser confessional não é ser anti-bÍblico ou ter a bíblia subordinada aos símbolos de fé, mas que antes, nos submetemos a eles por que os mesmos se submetem a Bíblia. Que Deus tenha misericórdia de nós e nos ajude nessa tarefa.

Soli Deo Glória!